Medo
E a única, na verdade. Percebemos o que nos envolve, o que somos capazes de assimilar emocionalmente. O resto podemos até entender – mas não fazemos o mínimo esforço para perceber. Podes até achar que perceber e entender são a mesma coisa – mas são bem diferentes. Um dia vais perceber – ou pelo menos entender. Já não é mau.
- A sociedade é um contrato – mas o que tu és é uma folha em branco.
Escreve-a, preenche-a, rabisca-a, rasga-a se te apetecer, mas por favor não te deixes regular por algo que manifestamente, e infelizmente, não existe. Está na tua mão tudo o que está na tua mão. Faz do que fazes o que realmente fazes de ti – ou estarás a fazer pouco de ti. Há muito que te escapa mas há muito que te pertence. Explora-o. Já não é mau.
- A dúvida custa, a certeza não existe – mas entre as duas tenho a certeza que prefiro a primeira.
Quem não tem dúvidas é certamente um idiota, e tenho dúvidas sobre se será sequer uma pessoa. Ser pessoa é hesitar, ficar a meio, não saber muito bem quem é, de onde vem e para onde vai. Se não sabes para onde vais mas sabes que vais: vai. Vai mesmo. O bom do incerto é a infalibilidade de uma surpresa. Já não é mau.
- Todo o desejo é loucura – mas a maior loucura é mesmo a ausência de desejo.
O que nos define é, em grande parte, o que desejamos: o que faríamos tudo para conseguir. A falta de desejo é uma morte escondida, uma bosta bem-cheirosa. Alguém que deseja tudo e mais alguma coisa é alguém, no limite, vivo de mais – mas não creio que exista mesmo algo de mau em estar vivo demais. Viver é algo reservado a uma elite de loucos – e não viver também. Escolhe o teu lado favorito da loucura. Já não é mau.
- Confia nos outros e em mais nada precisarás de confiar – mas confia em ti e estarás pronto a confiar nos outros.
És, por mais básico que possa parecer há quem não o veja (ou pelo menos quem não haja mostrando que o sabe), o começo e o fim de ti. Tens de optar entre um e outro: ou começas-te ou acabas-te. Prefere a que tem mais futuro. Já não é mau.
- Não é o rigor que faz avançar o mundo, é a imaginação – mas toda a imaginação necessita de uma dose bem medida de rigor.
Sonhos que não passam de sonhos nunca mudaram o mundo. O que munda o mundo são os sonhos que deixam de o ser: sonhos frustrados, que se transformam em realidade conseguidas. Para que essa metamorfose aconteça, é importante colocar exactidão na demência: criar uma demência com causa. Encontra a tua. Já não é mau.
- Tudo o que temos em nós foi lá colocado por nós mesmos – mas tudo o que vemos nos outros também.
Somos emissores e receptores de tudo o que somos. Vemos no outro o que somos: olhamo-lo à luz do que nos olhamos. És responsável por tudo o que és – o que, por mais que te custe, significa que és da mesma forma responsável por tudo o que não és, por tudo o que não foste capaz de ser.
- Somos todos invenções recentes – mas só alguns de nós têm a humildade de o perceber.
Temos bugs, temos problemas de hardware, de software, há sempre upgrads para fazer, novos programas para instalar. Somos todos versões betas do que podemos vir a ser. Somos sistemas altamente falíveis, terrivelmente capazes de crashar (creio que terei batido, aqui, o recorde nacional de palavras estrangeiras num texto em português, escusam de aplaudir), infinitamente a precisarem de melhorias. O nosso trabalho é conseguir entender de onde vêm as melhorias que interessam – que vão melhorar o nosso desempenho – e de onde vêm as desmelhorias que não interessam – que só vêm colocar mais ruido no interior do nosso sistema. Na melhor das hipóteses somos sistemas caducos, finitos - prontinhos a ser substituídos por modelos novinhos em folha e que riem das nossas limitações - a médio-prazo. Já não é mau.
- Uma corrente de pensamento é uma corrente de pensamento – mas também é uma corrente de pensamento. Que parte da palavra "corrente" não entendes mesmo?
Seguir uma corrente é prenderes-te com uma corrente. Caga em quem quer impingir-te uma forma de pensar, tal qual eu acabei de tentar fazer contigo. Escolhe a tua corrente e mesmo assim prende-te a ela de forma leve, para poderes fugir quando sentires que tens de te pôr a andar. És a tua corrente de pensamento, e de ti dificilmente conseguirás escapar. Já não é mau. "
Pedro Chagas Freitas