"Tem gente que enxerga a vida de um jeito bonito. Escreve cartas, poemas, manda mensagens, liga de volta, dá bom dia, oferece flores, faz boa ação na rua. 

Tem gente que nem esbraveja quando dá uma topada no pé. 

Tem gente que é flor pelo lado de dentro e exala perfume pelo lado de fora, mas e eu, que xingo a cada topada. Acordo com a maior preguiça do mundo querendo da vida, uma cama eterna. Não me identifico com esses lances de suavidade, embora enxergar cor de rosa tem seu valor. E eu, que sinto euforia de longe e faço algazarras sem pensar na pose, deixo rastros na pia da cozinha de madrugada sem me importar com as formigas famintas. 

Tem gente que não se preocupa com as esperas. Eu, fico logo numa impaciência digna de um noivo no altar. 

Tem gente que é pura leveza até em um engarrafamento véspera de feriado para o litoral. E de mim, o que diriam? Salto do carro e vou a pé, com um desejo obsessivo de aproveitar até o último momento aqueles dias de paz. 

Tem gente que nem de porre fica. Com muito exagero beberica uns vinhos caros, dá um sorriso fino e educado, limpa o canto da boca, escuta blues , traduz simultaneamente, paga a conta, deixa uma generosa gorjeta par o garçom e sai delicadamente, deixando um cheiro de beleza no ambiente. 

Ai de mim, que com um gole de licor já estou contando piadas sem graça, falando da vida intoxicada de dores e tentando ser melhor sem muito sucesso. 

Tem gente que tem bicho de estimação, um quilo de livros novinhos para ler, uma receita infalível para o bom humor, uma caderneta de poupança para as férias inesquecíveis, um álbum de fotografias com legendas fofíssimas. 

Tem gente que coleciona afetos.

Eu, tenho uma vontade absurda de não viver no tédio, uma moldura na parede com imagem relaxante dos possíveis lugares onde não estou. Uma foto do meu último cãozinho que me deixou traumatizada após sua morte inesperada, alguns livros com páginas dobradas, marcados de caneta vermelha com lições imperdíveis para eu não esquecer nunca, porém esqueci. E só volto a lembrar quando vejo a lista do que prometi e não fiz. 

Tem gente tão cheio de gente perto, que a vida é uma eterna festa. Eu, por exemplo, fujo de multidões, reclamo da casa vazia e não consigo administrar muitos pés no sofá. 

Tem gosto pra tudo, inclusive para estancar a solidão, dizem que pescar é uma boa terapia. Os peixes não comungam da minha ideia. Logo, minha isca não garante o jantar. Eu, já tentei meditação. Meditava nos problemas e eles insistiam em ficar ali, grudado feito quando a gente cola os dedos em super bonder. Escrevi sobre o amor, mas ele era sempre dolorido feito ferida aberta que para sarar era preciso uma canção dos Beatles, uma tatuagem, um filme romântico, uma cabana e o que a imaginação conseguisse transformar em poesia. 

Eu não sei o que ainda está para acontecer, mas espero algum incidente capaz de balançar aqui dentro e misturar tudo, fazendo uma salada de outras narrativas para eu aprender a lidar com a vida. 

Ando sem inspiração. Nem vendo a lua, a coisa melhora. "

Ita Portugal

sou completamente oposto da Ita, mas concordo que tem dias que nem vendo a lua a coisa melhora...

beijos e carinho, bell