A vida é uma doideira mesmo, ainda bem. Isso porque é muito bom acompanhar o fluxo das coisas e receber de braços abertos tudo o que ela oferece. Às vezes a gente nem recebe de braços tããão abertos assim (deixo isso para o Cristo Redentor), mas depois entende tudo que ela estava preparando. Ela, a Vida, essa danada.
Estou de mudança do Rio. Eu, que nunca tive o sonho de morar fora por achar que o Rio me atendia muito bem. Eu, a garota carioca, da água salgada e do fim de tarde no calçadão. Aqui, eu tive tudo o que eu quis. Tudo o que eu imaginei, eu conquistei. O meu apezinho perto da praia, as noites de verão no bar da esquina, a corrida na orla vendo o Sol nascer. Contemplei tanto essa paisagem que tinha gente que achava que eu não tinha nascido aqui, por amar tanto. A verdade é que eu sempre dei muito valor ao que eu tinha. A vida tava muito boa aqui, de verdade.
Só que o Rio tem um problema.
O Rio é tipo aquela pessoa muito bonita que passa a não se preocupar em ser interessante. Que não cuida pra ser boa por dentro, porque se garante demais na imagem. “Todo mundo me quer, então tá tudo certo”. E aí, como qualquer relacionamento, a beleza não segura por muito tempo. Você começa a perceber que tá ficando caro demais – emocional e financeiramente – se manter com ela. Você gasta fortunas para ter – com o perdão da palavra – um serviço mer-da. “Mas tudo bem, pague caro que eu faço o FAVOR em te atender enquanto você admira a vista do morro Dois Irmãos ao fundo […] E vou te cobrar mais dois reais pelo limão espremido no seu copo”. E a gente paga, porque o Rio é lindo.
Só que aí ficou difícil, Rio. Você já era meio violento, mas era um gato, eu relevava. Tomava cuidado pra não “me colocar” em situações que você pudesse se revelar. Só que começou a ficar meio perturbador. Adquiri hábitos tensos sobre como ficar “mais segura” que às vezes me pergunto se não desenvolvi paranoia. Essa nossa mania humana de se culpar, sabe? Chama o meu analista.
Celular na rua, não pode. Cordãozinho de ouro, não pode. Andar na esquina de casa depois da meia noite, não pode. Ah, de dia também não dá. Cuidado aí. Mesa de restaurante na calçada: fica de olho na bolsa. Domingo na praia: caraca, arrastão. Complicado, Rio. Você já meteu uma arma na minha testa e cara, me desculpe, não sou mulher de malandro. A gente precisa terminar.
Eu nunca na vida pensei que fosse sair daqui. Mas também nunca disse que seria impossível. E aí a vida me mostrou o quanto eu posso evoluir profissionalmente (e na vida também) em outras cidades, bem menores até. O Rio está saturado, infelizmente. Eu e muitas pessoas perdemos o emprego e com ele, as esperanças de construir a vida aqui. Há de se olhar diferente para outros lugares e outras propostas e, uma vez enxergando isso, um novo mundo se abre. É uma loucura mesmo. Uma loucura boa, posso afirmar..