Quando nos apaixonamos, imediatamente o relógio gira pra trás e voltamos no tempo sem precisar de uma máquina apropriada. Apaixonar-se sempre envolve intensidade, ferocidade e um pouco de loucura. Junto com a paixão vem o desejo, vem o ciúme, vem a urgência de estar perto. Todos sentimentos jovens, próprio de quem tem pressa.
O amor nada entende de pressa. Ele espera e pode chegar apenas depois, nunca atrasado. Ele espera dentro de latas e caixas, cartas e fotos antigas e caladas dentro do armário por décadas a fio. Espera dentro de um tempo que não é agora, mas pode ser amanhã ou daqui a dezoito anos.
O amor espera chegar em casa e pede para comprar pão e leite na volta. Nunca pergunta com quem você estava, mas como você está. Como tem se sentido? Como foi seu dia? O amor é um sentimento velho e ele não tem mais tempo a perder com certas bobagens da juventude, que sim, na época tinham seu charme, mas depois de vinte, trinta anos, já saíram de moda tal qual os espartilhos. Não há brigas dramáticas e reconciliações ardentes que cheguem a competir com o sono tranquilo do domingo de manhã que se repete sem cansar, imbatível.
O amor todo ele é tranquilo e pacífico. Manso. Largo de rotinas, estreito de murros em ponta de faca. Cegam-se as facas no amor, aliás. Baixam-se as guardas. Jogam-se as mágoas no lixo orgânico, diariamente, colocamos todas elas para fora junto com as cascas de banana.
Ser amado, por outro lado, é ser prestado atenção. É quando ouvem aquela sua história que nem tem tanta graça, mil vezes, e riem todas as vezes. Ou quando descobrem os seus segredos mais guardados e deixam você abrir seu coração com zíper em cima da mesa, o recheio feio todo caindo dos lados muito longe da parte saborosa e não há julgamento, não há olhares de estranheza, nem franzidas de testa. Há apenas o outro prestando atenção em você.
Na sua pinta perto da costela. No seu canino falhado que deixa passar um som de assobio quando você ri. Nos seus cabelos espalhados por toda parte no travesseiro, na testa e no ralo do banheiro.
É alguém dizendo que vai prestar atenção em você e na sua existência, e assim ela não passará por essa Terra sem testemunhas. Eu estive aqui com você, eu vi, eu prestei atenção, você existe para além da sua própria pele porque eu consigo te enxergar além do que você mesma vê. E eu gosto do que vejo.
Apaixonar-se dói mais do que canal sem anestesia, tatuagem nas costelas e perder seu bichinho de estimação, juntos, ao mesmo tempo.
Amar não dói nunca... Ser amado não deveria doer...